segunda-feira, 28 de setembro de 2009

AKIRA KUROSAWA: Um cinema de síntese

Por ANDRÉ SETARO (Especial para o Cine em Debate)

Akira Kurosawa (1910/1998), realizador de Dersu Uzala (1975), é o cineasta japonês mais conhecido no Ocidente, cuja revelação se dá em Rashomon, quando o apresenta no Festival de Veneza de 1951, quase dez anos depois do seu primeiro filme, Sugata Sanshiro, em 1943, e de muitos títulos já registrados em sua filmografia. Nesta obra-prima, que é Rashomon, há uma atmosfera de fábula medieval, e a sua estrutura narrativa se caracteriza pela construção em flash-backs a apresentar o mesmo acontecimento de acordo com os pontos de vista subjetivos de vários narradores - o que evoca o genial dramaturgo italiano Luigi Pirandello.

Entre as características formais de Kurosawa, destaca-se um sentido rítmico muito pessoal, desligado das tradições teatrais nipônicas, mas não identificado exatamente com as ocidentais contemporâneas. Também é singular a dureza de seus enquadramentos (o que se pode verificar em Dersu Uzala), que corresponde à sua formação pictórica, o cuidado na direção dos atores e a facilidade com que incursiona, sem temor, no caminho da síntese em que o plástico, o sociológico e o psicológico chegam, sem obstáculo, a um ponto de fusão. Dotado de uma violência quase congênita e de uma técnica bem assimilada em sua fase de assistente de grandes cineastas japoneses, Kurosawa representa, para o cinema nipônico, o grande relevo da formação clássica, presidida pela figura de Kenzi Mizoguchi (Contos da lua vaga) . Universal em sua linguagem, embora sem a perda das características de sua cultura, influi poderosamente no cinema de autores dos anos 50 e 60 de seu páis, aos quais abre as portas do realismo contemporâneo.

No início de sua carreira, realiza três obras fundamentais, uma trilogia que constitui uma paradoxal elegia de uma civilização: O anjo embriagado (Yoidore Tenshi, 1948) - história das relações entre um médico e um gangster tuberculoso, e que assinala o começo de uma larga e fecunda colaboração com o ator Toshiro Mifune (com o qual faria o célebre Os 7 samurais), Cão Danado (Nora-iu, 1949) - descrição de todo um meio social através da busca de um detetive para recuperar o seu revólver roubado (e não estaria aqui a sofrer influência de Ladrões de bicicletas/Ladri di biclette, 1948, de Vittorio De Sica, obra-prima do neorrealismo italiano?), e especialmente Viver (Ikiru, 1953) - sobre os últimos dias de um velho funcionário público (que muitos historiadores consideram a sua obra mestra).

Kurosawa, através de Hakuchi, o idiota (Hakuchi, 1951), adaptação de Fiodor Dostoievsky), introduz sutilmente a cultura europeia no cinema japonês. Admirador de William Shakespeare, realiza adaptações admiráveis, entre as quais estão Trono manchado de sangue (segundo o texto shakespeariano de MacBeth), Ran (baseado em Rei Lear), entre outras. Em 1970, angustiado por não receber recursos para terminar um filme, tenta se suicidar, mas consegue sobreviver com a ajuda de produtores americanos.

Dersu Uzala é da fase em que o grande mestre se afasta do Japão, nos anos 70, à procura de uma inspiração exterior. Mas suas constantes temáticas e estilísticas estão presentes neste admirável filme sobre o homem e a natureza e o choque de culturas.

Dersu Uzala, uma obra notável

O crítico de cinema, mais conhecido como poeta Vinicius de Moraes, ao assistir Hiroshima, mon amour, nos seus últimos dias de dipolmata no Uruguai, servindo no consulado brasileiro em Montevidéu, classificou o filme como uma “obra-prima” e o chamou de “um maravilhoso canto à paz”. Não satisfeito, o poetinha comparou-o a três outras grandes obras-primas do cinema: Aurora, de Murnau; Cidadão Kane, de Orson Welles ( este é o próximo filme a ser exibido pelo Cineclube Cine em Debate, em outubro); e, por fim, Rashomon, de Akira Kurosawa. Vinicius não conhecia Dersu Uzala, também de Kurosawa, pelo simples fato de que o diretor ainda não o tinha filmado. Dersu é de 1975 e a crônica do poetinha de 1960, portanto, bem antes. Se o poeta tivesse visto, naquela época, Dersu Uzala, bem que poderia também ter classificado esta “obra-prima” de Akira como “um maravilhoso canto à paz”.


Mas, Dersu Uzala, um dos mais notáveis filmes de Kurosawa, este diretor que durante 50 anos fez o mundo refletir a partir de sua perspectiva cinematográfica, não foi filmado no Japão e nem é uma produção japonesa. Se o cinema japonês se tornou conhecido no mundo inteiro o Japão deve isto a Kurosawa, embora não o reconheça. Dersu é uma produção soviética (antiga URSS), com locações na Sibéria e em Moscou, pois o Japão não queria financiar, sob alegação de sua ocidentalização, o diretor de obras que marcam a história do cinema, tais como Os sete samurais, Sonhos, Kagemusha, Rashomon, entre outras de menor repercussão.


Dersu Uzala é um filme dirigido com extrema sensibilidade, com uma câmera sutil de quem olha com o olhar da admiração, buscando compeender o que está vendo, mas sem querer alterar o que presencia, apenas admira. Dersu é uma produção de delicadezas, uma elegia à amizade, uma declaração de respeito à diferença. Dersu Uzala é muito mais ainda, é principalmente a convicção de que o homem, ao contrário do que pensa a Academia na visão dicotômica entre sujeito e objeto, é apenas parte da natureza. Pensamos o mundo a partir da contradição cultura x natureza. Está passando da hora do homem rever o paradigma onde a sua afirmação apresenta-se não como convivência harmônica com a natureza, mas como sua capacidade de transformar esta natureza ao seu bel prazer e, normalmente, esta transformação vem mediada pelos “interesses materiais” e não exatamente pelo prazer ou pela felicidade humana.


A recepção de Dersu Uzala, exibido na quarta-feira passada, foi das melhores. O auditório estava cheio e o debate contou com a contribuição do crítico de cinema e professor André Setaro (UFBA), dos professores Ivan Gargur e Daniela Souza (mediadora), ambos da Faculdade 2 de Julho (F2J).

terça-feira, 22 de setembro de 2009

Dersu Uzala - Debate


Logo após a exibição, o Cineclube Cine em Debate promove um debate sobre o filme Dersu Uzala contando com a presença do professor da UFBA e crítico de cinema, André Setaro, e do professor Ivan Gargur, da F2J. O debate será mediado pela professora Daniela Souza, também da F2J.

Filme: Dersu Uzala
Diretor: Akira Kurosawa
Local: Auditório Cefas Jatobá - F2J
Dia: 23/set (4ª feira)
Hora: 19h00

Dersu Uzala, um filme de Akira Kurosawa


Dando continuidade à programação do semestre, "grandes diretores do cinema", o Cineclube Cine em Debate apresenta em setembro o diretor japonês Akira Kurosawa. Akira deixou uma vasta obra com inúmeros filmes que são hoje reconhecidos como clássicos do cinema internacional, Os sete samurais, Sonhos, Dersu Uzala, entre outros.

Dersu Uzala foi o filme escolhido e será exibido nesta semana. O filme é de 1975, baseado no romance de Vladimir Arsenyev, tendo Kurosawa na direção e no roteiro. Dersu é um camponês mongol que atua como guia de um oficial do exército russo em viagem de exploração na Sibéria. Dersu Uzala salva o militar da morte certa no frio siberiano e este, num gesto de agradecimento, o leva para a cidade. A vida de Dersu vira um transtorno, o choque cultural é imenso, ele não se adapta à vida na cidade, muito diferente do contato direto com a natureza. A luta pela sobrevivência, enfrentando um dos ambientes mais hostis do planeta, possibilita a Kurosawa dirigir algumas das cenas mais bonitas do cinema.



domingo, 20 de setembro de 2009

O Cineclube Cine em Debate participa da 36ª Jornada de Cinema da Bahia

Entre os dias 10 e 17 de setembro aconteceu em Salvador a 36ª Jornada Internacional de Cinema da Bahia, com atividades no ICBA, no Espaço de Cinema Glauber Rocha, na sala Walter da Silveira (Biblioteca Central da Bahia) e no hotel Sol Victória Marina, onde se realizaram as reuniões.

A Jornada deste ano foi dedicada ao jornalista, sociólogo, engenheiro e escritor brasileiro Euclydes Rodrigues Pimenta da Cunha (Euclydes da Cunha), autor de Os sertões, entre outras obras, quando se comemora o centenário de sua trágica morte, ocorrida numa luta com o tenente Dilermando de Assis, amante de sua esposa. O outro homenageado será o cineasta Roberto Rossellini, considerado o fundador do neo-realismo italiano, que terá suas principais obras cinematográficas exibidas na Jornada.

A programação se completou com o concurso de filmes e vídeos afro-iberoamericanos, uma programação de filmes baianos e uma mostra da produção cineclubista baiana. Os cineclubes baianos, além da mostra audiovisual, fizeram reunião nos dias 15 e 16 tendo como pontos centrais da pauta o direito do público a ver a diversidade das produções audiovisuais brasileiras, bem como a produção mundial não hegemônica, e a se ver na tela, além da organização em uma Federação que inclua os cineclubes da Bahia e de Sergipe. No dia 17 os cineclubes se reuniram com os cineastas independentes, um encontro de quem cria com o público, através dos cineclubes.